FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A União registrou um patrimônio líquido negativo de R$ 4,4 trilhões no fim de 2020. O resultado é recorde e foi influenciado pela atualização de despesas projetadas com benefícios de militares e pela pandemia de Covid-19.

O patrimônio líquido da União representa a diferença entre os ativos e direitos do país (como dinheiro em caixa, receitas a receber, ações de estatais e imóveis) menos as contas que precisa pagar (como dívidas, aposentadorias e passivos de decisões judiciais).

O patrimônio líquido fica negativo quando há mais obrigações do que bens e direitos (quando é chamado também de passivo a descoberto). Isso ocorreu pela primeira vez em 2015, após o Tesouro Nacional começar sua adesão a normas internacionais de contabilidade, e a situação vem se agravando desde então.

Em 2020, o tamanho do patrimônio líquido negativo cresceu 49% em relação a 2019. O valor representa 59,4% do PIB (Produto Interno Bruto).

“É um valor muito forte e significa que temos uma dívida em montante muito superior aos ativos. Isso implica uma necessidade de correção com as reformas que estão pautadas [pelo Ministério da Economia] para reverter essa tendência”, diz Heriberto Vilela do Nascimento, coordenador-geral de contabilidade da União.

Ele afirma que diversos países acompanhados pelo Tesouro têm patrimônio líquido negativo, mas que o caso brasileiro chama atenção. “Todos os países têm patrimônio líquido negativo, é normal. Mas o nosso, proporcionalmente ao PIB, é muito forte”, disse.

Em 2020, um dos principais fatores para a piora foi a conta de R$ 703 bilhões em despesas projetadas com benefícios e pensões de militares (R$ 563 bilhões acima do registrado em 2019).

Esse é o montante projetado a ser destinado por 70 anos, a partir de 2020, pelo Tesouro aos integrantes das Forças Armadas e seus familiares, mesmo após eles passarem para a reserva.

Nascimento diz que a diferença em relação ao balanço de 2019 foi significativa porque as despesas com integrantes das Forças Armadas não eram interpretadas como passivos anteriormente.

Segundo ele, a mudança ocorreu no balanço de 2020 devido a uma adaptação aos padrões internacionais de contabilidade. “Não tínhamos esse passivo e passamos a ter. Isso impactou bastante”, afirmou.

“Não sei se posso dizer que foi um erro [não considerar despesas com militares um passivo até 2019]. Estamos em um processo de convergência às normas internacionais, a cada ano incorporando ativos e passivos que não eram reconhecidos”, disse.

Ele afirma que o processo de adaptação deve ser concluído no ano que vem e que as diferenças remanescentes devem ser pequenas de agora em diante.

Outro fator para o crescimento do patrimônio negativo foram os mais de R$ 520 bilhões em despesas destinadas a combater a pandemia de Covid-19 e seus efeitos sociais e econômicos.

O valor levou a um déficit nas contas públicas que aumentou a necessidade de endividamento -e, portanto, gerou mais deveres financeiros a serem quitados pela União ao longo dos anos.

O Tesouro também elevou provisões para perdas com dívidas não pagas por estados e municípios. Como a União figura como garantidora em boa parte dos empréstimos de bancos aos entes, é obrigada a honrar os pagamentos em caso de inadimplência.

Ainda assim, o Tesouro pode recuperar os valores por meio da execução de contragarantias (como receitas tributárias a que os entes teriam direito). Mas governadores e prefeitos têm obtido decisões judiciais que, na prática, têm deixado o prejuízo para a União.

Marilu Cardoso da Silva, gerente de demonstrações contábeis da União, afirma que o Tesouro fez uma mudança contábil também nesse caso e passou a considerar em sua metodologia para perdas a capacidade de pagamento (a Capag) do estado ou município (em vez do tempo de inadimplência, como era antes).

Com as mudanças, o ajuste para perdas subiu de R$ 39 bilhões em 2019 para R$ 350 bilhões em 2020. Paralelamente, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o Tesouro tem reavaliado regras para conceder novas garantias a estados e municípios como forma de conter parte dos prejuízos observados hoje.

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