Com temor de desequilíbrio fiscal, governadores querem reunião com Lula para discutir arrecadação
Receita com ICMS, por exemplo, caiu 6,5% após Congresso aprovar lei com teto para imposto. Governadores negociam compensação da União e aguardam encontro com presidente eleito.
Governadores eleitos e reeleitos assumirão os mandatos em janeiro do ano que vem em meio a uma série de dúvidas sobre os níveis de arrecadação e de despesas previstos para 2023. Um cenário que, segundo eles, pode colocar em risco serviços essenciais, sobretudo nas áreas da educação e saúde.
A principal incerteza diz respeito ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo que garante a maior parte das receitas estaduais.
No primeiro semestre deste ano, o Congresso Nacional aprovou dois projetos, sancionados pelo presidente Jair Bolsonaro, que alteraram a cobrança do ICMS. Um desses projetos, por exemplo, limitou as alíquotas que incidem sobre itens considerados essenciais, como combustíveis e energia elétrica.
Na prática, a sanção dos projetos fez com que a arrecadação dos estados caísse 6,5% no terceiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2021 (veja no gráfico mais abaixo). Ao todo, foram R$ 12 bilhões a menos.
A queda significa uma inversão na trajetória das receitas estaduais, que registraram forte alta em 2021 e nos primeiros meses de 2022 devido à disparada da inflação, à alta das commodities (que são produtos básicos, como petróleo e minério de ferro) e também às transferências da União durante a pandemia.
STF
Diante desse cenário, governadores e secretários estaduais de Fazenda negociam no Supremo Tribunal Federal (STF) uma compensação imediata por parte do governo federal.
O grupo de negociações teve início em agosto e é conduzido pelo ministro Gilmar Mendes. A última reunião está marcada para esta sexta-feira, ainda sem um acordo à vista.
Caso as leis não sejam revistas, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) estima que a arrecadação do ICMS cairá R$ 124 bilhões no período de um ano, colocando em risco a manutenção de serviços públicos e o equilíbrio fiscal de estados e municípios. Atualmente, 25% do imposto é direcionado, obrigatoriamente, à educação e 12% à saúde.
“Não existe um dinheiro dos governadores. É o dinheiro da educação, da saúde, dos serviços de segurança pública. Então sempre que a gente tem essa redução abrupta de receitas, a própria população acaba sendo punida na forma de precarização de serviços”, afirmou Eduardo Leite (PSDB), governador eleito do Rio Grande do Sul, em entrevista à GloboNews.
Segundo ele, trata-se de uma conciliação “bastante difícil”, mas há a expectativa de que se encontre um caminho.
“Os estados já estão perdendo arrecadação, isso já é uma realidade, mas o que precisamos fazer é estancar essa perda e, ao longo de 2023, nós temos a expectativa de que se possa estabelecer uma compensação suficiente para evitar a precarização dos serviços”, disse.
Segundo o governador, não é possível apostar, apenas, na reforma tributária, já que esse é um processo longo e o cenário exige medidas urgentes.
Reunião com Lula
Desde a semana passada, o grupo liderado pelo ministro Gilmar Mendes passou a contar com um membro da equipe de transição do governo eleito, a procuradora da Fazenda Nacional Fernanda Santiago.
Diante disso, há uma expectativa de reunião com o presidente eleito Lula, que prometeu receber os governadores em uma das suas primeiras agendas oficiais no Palácio do Planalto.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), chegou a convocar uma reunião para o próximo dia 7 de dezembro, antes mesmo da posse, mas o encontro foi adiado e ainda não tem nova data marcada.
Outras preocupações
Além do ICMS, governadores e secretários também temem perder arrecadação com a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil mensais – uma das promessas de Lula durante a campanha presidencial.
Segundo cálculos do Sindifisco Nacional, sindicato que reúne os auditores da Receita Federal, a medida pode implicar uma perda de receitas, para a União, que varia de R$ 21,5 bilhões a R$ 107 bilhões (caso todas as faixas de cobrança sejam igualmente corrigidas).
Uma renúncia que impacta os cofres estaduais via Fundo de Participação dos Estados (FPE). Atualmente, 21,5% de tudo o que é arrecadado com Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é repassado aos governadores via FPE. Portanto, segundo os auditores, isso significaria uma perda anual de R$ 28,8 bilhões aos cofres estaduais.
“Para se corrigir as perdas tributárias da União, dos estados e dos municípios com a correção da tabela do Imposto de Renda, é indicado que se passe a tributar os lucros e dividendos distribuídos pelas empresas”, defende Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional.
A Câmara dos Deputados chegou a aprovar, em 2021, um texto que previa a tributação em 20% desses valores. O projeto, porém, enfrenta resistências de diversos setores e não avançou no Senado Federal.
Outro ponto de atenção é um projeto que tramita na Câmara dos Deputados e amplia as faixas de enquadramento do Simples Nacional – regime de tributação simplificado que beneficia micro e pequenas empresas e empreendedores individuais.
De acordo com o texto, que ainda precisa ser analisado no plenário da Casa, a faixa de faturamento anual para o MEI passaria dos atuais R$ 81 mil para R$ 144,9 mil; já para a microempresa, saltaria de R$ 360 mil para R$ 869,5 mil; e para empresa de pequeno porte subiria de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões.
Cálculos do Comsefaz e da Receita Federal estimam que esse projeto pode gerar uma perda anual de R$ 25,2 bilhões a estados e municípios.
Também há preocupação por parte de alguns gestores com o piso salarial da enfermagem, aprovado no Congresso e suspenso pelo STF, já que o texto não prevê fonte de compensação.
Fonte: g1