Planejar. Quem nunca abriu uma agenda e listou os sonhos que queria realizar naquele ano? Quem nunca fez uma lista de desejos? Para algumas pessoas, algo tão simples, como papel, caneta e ideia, simplesmente não existe. Falta vontade. Falta coragem. Falta desejo. Falta a capacidade de sonhar. A depressão chega sorrateira e atinge como uma avalanche. Atinge a melhor parte das pessoas. A parte feliz. A que se emociona. A que agradece. Isabel (nome fictício) só tinha 16 anos quando tentou tirar a própria vida pela primeira vez. Não queria mais não sentir nada.

Planejou por semanas, sempre pesquisando. Mas não parecia que planejava a própria morte, não parecia que era para ela. Pesquisava, e a sensação é de que não era uma autossabotagem. “Era um sentimento muito estranho de não pertencimento. Eu não me pertencia e aí eu comecei a procurar formas de expressar”, relata Isabel.

O que ela queria, com 16 anos, não era tirar a própria vida. Não era planejar a morte dela. Isabel queria acabar com o que sentia ou até mesmo com o que não sentia. Porque não sentia mais felicidade. Também não chorava. Não reagia. “E aí eu planejava uma forma de ficar bem ou de não ficar, de não existir e sumir com aquela dor”, conta.

Encontrou uma maneira que não sentiria dor, nem causaria impacto forte a ninguém da família. Sabia que eles iam sofrer – porque eles, sim, sentiam – mas iam superar. Mas não queria tornar a dor ainda pior para eles. Claro que não encontrou uma forma simples de tornar o plano possível, mas continuou.

Isabel só conseguiu superar e passar a fazer um tratamento correto da depressão quando foi diagnosticada. Até ir a um médico, não sabia o que sentia, por isso a importância em buscar ajuda e ser realmente diagnosticado.

O mês de setembro é um mês dedicado a conscientização e prevenção ao suicídio. Com o objetivo de prevenir e reduzir os números, a Campanha foi chamada de Setembro Amarelo.

‘Eu não sabia se eu queria sobreviver’

Era 11h quando chegou em casa e colocou o plano em prática. Chorou muito. Aos 16 anos e aos 22, enquanto relembrava tudo. Depois, foi trabalhar. Chegou mais cedo. E foi isso que fez Isabel sobreviver. Não deixou nenhum mensagem ou carta para ninguém. Apenas foi.

Deixou a porta da sala do trabalho encostada, porque sabia que por volta das 14h os operários iriam chegar para trabalhar e iriam encontrá-la. Mas Isabel não merecia ir embora aos 16 anos. Merecia, antes de tudo, saber o que tinha. Merecia um tratamento. Merecia conversar com uma psicóloga. Merecia uma rede de apoio. Merecia ser ouvida.

Talvez por isso, um dos trabalhadores chegou mais cedo naquele dia. Isabel já havia passado mal e estava desacordada, mas não entrou para as estatísticas. Depois disso, lembra que estava em um posto de saúde da cidade, lotado de pessoas que não sabiam o que estava acontecendo: pais e amigos. Quando acordou, um impacto. “Eu não sei se eu queria sobreviver ainda, eu estava muito inerte às situações”.

Foi transferida para um hospital próximo e, depois que teve paradas cardíacas, foi transferida para outro hospital, onde terminou o tratamento. Passou mais de 15 dias internada, com acompanhamento psicológico. Isabel entende que recebeu o atendimento que precisava, mas na situação que encontrava, “não ajudou muito”.

Depois, adoeceu. “Eu não conseguia andar sozinha, não conseguia levantar, não conseguia nem beber água, nem ir ao banheiro”, lembra. Tudo isso, além de lidar com toda a tristeza que estava sentindo e do estado gravíssimo de depressão – que não sabia que tinha. Na época, o assunto não era tão falado como é hoje, ela lembra. Não à toa, antes da tentativa de suicídio, não havia ido a nenhum atendimento médico antes, nenhuma conversa com qualquer amigo, nenhuma acompanhamento psicológico.

Claro que de vez em quando sorria com algumas coisas e, talvez muito por isso, as pessoas sequer percebiam a situação em que estava. “Quando você decide tirar sua própria vida você não quer matar a si, quer matar o que você sente, e você não enxerga outra forma de superar”.

Depois que tudo aconteceu, a primeira pessoa que viu quando acordou foi a mãe. Na época, as duas não tinham um bom relacionamento, discordavam de muita coisa. Ela perguntou o que Isabel havia feito e qual o motivo. Isabel só pediu que ela não contasse a ninguém. “Eu contei tudo a ela, ela prometeu que não ia contar a ninguém e não contou”, fala emocionada. Apenas no ano passado, durante a terapia, conseguiu contar ao pai.

Depois disso, a mãe de Isabel passou a ouvi-la mais. “Eu não fiz isso para chamar atenção, não fiz por causa dela, mas isso fez com que ela me ouvisse e me ajudasse completamente. Ela me ajudou a sair. Cuidou de mim no tratamento e foi a pessoa que mais se tornou presente. Ela me ajudou muito”, desabafa.

Em 2018 e 2019, Isabel voltou a ficar muito mal. Já morava em outra cidade e teve uma recaída severa da depressão. Mas, dessa vez, conseguiu controlar e procurou ajuda imediatamente.

‘Tenho sobrevivido à vida, tenho sonhado’

Quem já ouviu o samba consagrado na voz de Beth Carvalho (composta por Paulo Vanzolini), sabe o quanto ele representa na vida de qualquer pessoa. Quando toca, independente de onde e de quando, ele toca a vida de alguém de alguma forma. “Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Foi o que fez Isabel.

O primeiro diagnóstico foi de agorafobia. De acordo com a psicóloga Roseane Santos, a agorafobia está dentro dos transtornos de ansiedade e está associada ao transtorno de pânico. “A pessoa tem medo de lugares muito amplos, muito abertos, onde normalmente tem muita gente. Ela tem um sentimento negativo e depois vem um pensamento de como poderia sair daquele lugar, ela tem medo de ter uma crise de ansiedade. O medo é comum: ou você enfrenta ou foge. Nas síndromes ansiosas e na agorafobia ela fica com medo de ter um ataque de ansiedade e fica pensando como vai escapar dele”, explica a psicóloga.

Isabel também foi diagnosticada com depressão. Em 2018, quando teve a recaída, recebeu novo diagnóstico: Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e depressão.

“As pessoas acham que está relacionado a atitudes repetitivas, mas é o transtorno obsessivo compulsivo e os meus transtornos são assim [obsessivos e compulsivos]. Se felizes ou tristes, eles são constantes e eu não consigo ainda ter muito controle disso, de ações e de pensamentos”, explica Isabel.

Conforme explica a psicóloga Roseane Santos, o TOC também está dentro dos transtornos de ansiedade. Não é só repetição, de fato. “A base dele é extremamente ansiosa e compulsiva. Esses quadros podemos colocar que se caracteriza por ideias, rituais ou comportamentos compulsivos. O indivíduo com TOC tem uma auto-pressão, é como se ele fosse obrigado e ele precisa se submeter àquilo”, ressalta.

Mas hoje ela faz tratamento com psicólogo e psiquiatra, além de tratamento medicamentoso. Boas doses de risos também têm ajudado bastante. Quem conhece Isabel, sabe que ela, sem sorriso no rosto, não é o seu estado normal. Se um dia não foi assim, não era Isabel. Apesar de não estar livre de crises e momentos difíceis, pensa sempre que se está viva, é por causa dela, porque sobreviveu na primeira vez.

“Mas se todos os dias eu não morro, nem tento de novo, eu sobrevivo, então os meus dias têm sido isso, de lá para cá, de sobrevivência. Cada dia que passa, que vou sobrevivendo, que vou voltando a sentir as coisas boas que vão acontecendo. A depressão tira muito a capacidade de ser grata. Eu conquistava as coisas que eu queria muito e eu não conseguia ser grata, eu não conseguia ficar extasiada”, destaca Isabel.

Hoje ela se reconhece na felicidade. “Eu penso: ‘que bom que eu estou viva para sentir isso, que bom que eu não morri, que bom que todos os dias eu tenho sobrevivido’”. Cada dia supera um dia. Alguns mais animados e mais felizes que outro, planejando. Lembra do papel e da caneta do começo? Hoje Isabel consegue colocar na mente e no papel os seus sonhos.

Agora, Isabel tem o que ela chama de “pausa sonho”. Para dez minutos e sonha. Queria ganhar na mega sena e ter uma casa com escada e piscina. “Eu passei anos sem conseguir fechar o olho e ver a casa. Esse ano, sem sono, de noite, eu fechei o olho e comecei a ver a casa, a piscina e a escada. Mas quando eu vi, tudo fez sentido, quando eu percebi que voltei a sonhar… É muito bom poder sonhar”.

Com 22 anos, sabe totalmente a necessidade de buscar informações sobre o que se sente. Ter a oportunidade de se tratar, conversar com pessoas que passa por situações parecidas e ter uma rede de apoio, familiar ou não, mas pessoas que você confie e te ajudem. “Hoje tenho vivido com momento felizes, momentos tristes, tenho sobrevivido à vida, tenho sonhado, tenho sido muito feliz”.

Mas o que é depressão?

A psicóloga Roseane Santos explica que é importante distinguir episódios de tristeza e apatia da depressão. O divisor de águas é o tempo de duração e intensidade, por isso a importância de buscar ajuda. “Um diagnóstico por um médico psiquiatra é fundamental”, ressalta.

Nas síndromes depressivas, conforme explica a psicóloga, a pessoa apresenta um humor triste desproporcionalmente mais intenso e duradouro, sentimento de melancolia na maior parte do dia, choro fácil e frequente, a pessoa fica chorosa, apática, indiferente e com falta de sentimento, ela não consegue ter empatia. Também apresenta tédio e irritabilidade.

A pessoa com depressão tem alterações ideativas. Ela é uma pessoa negativa, “pessimista em relação a tudo, sente muita culpa, arrependimento, fica indo e voltando em mágoas antigas. Nisso, com o agravamento, ela pode chegar a ideias de morte, onde já podemos ver algumas falas da ideação suicida. A pessoa fica muito fadigada, um cansaço extremo, insônia, diminuição ou aumento do apetite, constipação, palidez, pele fria, diminuição da libido, enxaqueca, dor de cabeça”, detalha os sintomas.

Sempre pode ser evitado, e sempre que busca ajuda é mais fácil, principalmente com médico psiquiatra, é assim que detalha a psicóloga Roseane. O importante é falar, buscar ajuda. A rede de proteção e apoio nesse momento é de suma importância, porque ter um amigo de confiança, por exemplo, pode ajudar a identificar algum sinal do problema.

As ideações da depressão podem ser ativas ou passivas. A ideação passiva está a nível de pensamento. A pessoa quer “desaparecer, a vida não faz mais sentido. A ideação ativa, já em um segundo momento, é onde já existe um planejamento, o grau de sofrimento já está tão grande que ele começa a planejar como poderia morrer”, detalha Roseane Santos.

Depois vem a terceira etapa, que é a tentativa de suicídio, onde a pessoa já apresenta um comportamento suicida. A pessoa tentou e, de alguma forma, ela não consegue executar. “Mas é extremamente perigoso. Quando a pessoa chega na tentativa, ela chega no pronto-atendimento e é importante demais a atenção básica e de emergência de um médico para o encaminhamento para um profissional de saúde mental”, detalha Roseane.

A psicóloga explica que o “eu” da pessoa com depressão está desinvestida de esperança, de vontade de viver, de sonhar, de desejar. O depressivo para de desejar, não tem mais desejo pela vida, pelas suas atividades. “Então ele vai ter um esvaziamento do eu. É uma dor tão intensa, que ele acredita que tirando a vida, ele vai acabar com a angústia”, frisa a psicóloga.

Ansiedade x Depressão

De acordo com a psicóloga Thaís Souza, a ansiedade é um sentimento de apreensão que frequentemente vem acompanhada de tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo. “Ela é uma sensação que todos nós temos em nosso cotidiano, isto porque nosso cérebro aprendeu a interpretar como perigo não somente situações que ameacem a nossa integridade física, mas também situações em que entendemos que possa haver algum prejuízo para nossa vida em geral, como perder um prazo no trabalho, por exemplo”, explica.

Dessa forma, a ansiedade não necessariamente é algo patológico, porém, em alguns casos, pode ser sintoma de um Transtorno de Ansiedade. Os Transtornos de Ansiedade, conforme explica a psicóloga Thaís, se diferenciam do medo ou da ansiedade adaptativos (saudáveis) por serem excessivos ou persistirem além de períodos apropriados ao nível de desenvolvimento.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Em relação aos transtornos depressivos, a diferença é que os sintomas dos transtornos de ansiedade estão mais relacionados a sentimentos de angústia e a pensamentos que vêm da antecipação de situações que o sujeito interpreta como algo que será danoso ou que lhe fará mal.

“Já nos transtornos depressivos, existe uma característica central de perda de prazer e interesse em boa parte das atividades e a presença de um humor triste que persiste na maior parte do dia e em quase todos os dias. Porém, essa diferença, bem como um diagnóstico preciso, só pode ser dado por um profissional habilitado que também considerará fatores contextuais, culturais e da história de vida do sujeito”, frisou a psicóloga.

Thaís ressalta que é preciso identificar e tratar simultaneamente possíveis transtornos que podem estar influenciando o surgimento da ideação suicida. “Muitas vezes não está nem claro para o sujeito o que o leva a se sentir daquela maneira, a pensar o que passa pela sua cabeça, o que o leva a querer parar com o sofrimento desta ou daquela maneira porque é aquilo que conhece”, detalha Thaís Souza.

O acompanhamento profissional seria capaz de ajudar a entender o que passa dentro dele, as causas relacionadas àqueles sintomas, a encontrar maneiras de cuidar dessas questões.

Fonte: G1 PB

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