Programa Auxílio Brasil

Os municípios de todo o país contabilizam uma demanda reprimida de 2,78 milhões de famílias para ter acesso ao programa social Auxílio Brasil, do Governo Federal. Os dados foram divulgados neste domingo (19) pelo Estadãocom base em mapeamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

A velocidade do crescimento da demanda reprimida vem surpreendendo e preocupando os prefeitos, que na ponta sentem as cobranças da população na esteira do aumento da pobreza nas suas localidades. É nos municípios que as famílias fazem o cadastramento ao programa no Centro de Referência da Assistência Social (Cras) para ter acesso à rede de proteção social do País.

O mapeamento da CNM, está sendo divulgado 10 dias após a publicação do resultado do 2.º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, que mostrou que a fome no Brasil voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990. Atualmente 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País, 14 milhões a mais do que no ano passado.

Enquanto as prefeituras alertam para a necessidade de reforçar o programa, especialistas defendem uma grande mobilização para enfrentar o aumento da fome. Eles apontam falhas no desenho dos benefícios do Auxílio Brasil e chamam atenção para a necessidade de direcionar recursos ao Alimenta Brasil, programa de aquisição de alimentos de agricultores familiares e doação para famílias em situação de insegurança alimentar.

Com a falta de exposição de dados pelo Ministério da Cidadania, responsável pela gestão do Auxílio Brasil, a CNM resolveu seguir com um acompanhamento próprio da situação nos 5.570 municípios.

O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, atribui a ausência de dados amplos à conjuntura eleitoral. “Dentro do possível eles vão escondendo, mas nós na ponta podemos levantar e mostrar”, diz. “E vai piorar ainda mais até a eleição”, prevê. Segundo ele, o quadro preocupa porque a fila, que tinha diminuído no início do ano, já voltou ao patamar anterior. O problema acaba estourando nas prefeituras, reclama o presidente da entidade, que reúne prefeituras de todo o País. De acordo com Ziulkoski, as escolas municipais acabam se transformando em refúgio para as crianças que chegam com fome e precisam de reforço alimentar antes de começar as aulas.

Disparada na fila

Pelos dados da CNM, entre março e abril, a demanda reprimida subiu em velocidade que se aproxima dos dados apurados antes da migração do programa Bolsa Família, extinto no ano passado, para o Auxílio Brasil, que era de 3,1 milhões de famílias. De um mês para o outro, houve um aumento real de mais de 1,480 milhão de famílias à espera do benefício.

Ou seja, a fila mais que dobra em apenas um mês, um crescimento de 116%. Salta de 1,307 milhões de famílias (2,1 milhões de pessoas) para 2,788 milhões de famílias (5,3 milhões de pessoas), faltando pouco mais de 401 mil famílias para se atingir o patamar anterior à transição dos programas.

O estudo aponta que a previsão orçamentária para o Auxílio Brasil deste ano não é mais suficiente para zerar essa fila. O orçamento previsto é de R$ 89 bilhões.

Em 2021, dados disponibilizados por meio de consulta pública e coletados pela CNM, mostravam mais de 25 milhões de famílias registradas no Cadastro Único, o correspondente a cerca de 75 milhões de pessoas. Já em 2022, o número cresce e passa dos 33 milhões de famílias ou 83 milhões de pessoas. É um pouco mais de 38% da população brasileira (de 215 milhões de habitantes em 2021) procurando os programas oficiais de assistência social.

Falhas

As falhas de desenho do programa têm contribuído para acentuar os problemas. Entre elas, a decisão de garantir um benefício mínimo de R$ 400 por mês para cada família. Essa regra tem feito com que um beneficiário que mora sozinho acabe recebendo o mesmo valor que uma mãe com dois filhos pequenos. Esse modelo funciona, na prática, como um incentivo para pessoas que moram juntas se cadastrem como se morassem separadas, recebendo R$ 800. Esse quadro pode acabar deixando de fora do programa famílias que mais precisam.

“Além do desenho nada equitativo, o piso de R$ 400 gera incentivos para que pessoas que moram juntas se cadastrem separadamente. É uma espécie de desmembramento de famílias, que prejudica enormemente a qualidade dos dados do Cadastro Único e, com isso, sua capacidade de direcionar as políticas públicas à população mais vulnerável”, diz Leticia Bartholo, socióloga e especialista em políticas públicas e gestão governamental. É ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania.

O prefeito de Picuí, cidade da Paraíba localizada no sertão do Seridó, Olivânio Dantas Remígio, avalia que com a criação do Auxílio Brasil perde-se o que ele chama de “princípio da territorialidade”. “Nós tínhamos um mapeamento da pobreza no município. Sabíamos direitinho onde estavam as famílias com maior grau de vulnerabilidade social”, relata. “Ficou difícil para o município ter um marco de acompanhamento sem ter informação concreta”, critica.

O prefeito paraibano cita outro problema colateral: o aumento da demanda por auxílios eventuais, como cesta básica, aluguel social e auxílio energia. Remígio conta que o cadastramento continua sendo feito pelo Cras, porém, os condicionantes para o acompanhamento das famílias não são mais cobrados, como por exemplo, vacinação de crianças, peso e avaliação se estão se alimentando bem. “Essa rede de saúde, assistência social e educação, fica quebrada”, alerta.

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