Gabriel e Almir Sater falam de ‘Pantanal’ e experiência sobrenatural
“Olha que beleza! Está passando uma anta na porta da minha casa, coisa mais linda! Entrou no rio agora…”, exclama, admirado, Almir Sater, interrompendo momentaneamente a entrevista por videochamada, diretamente de sua fazenda, no Pantanal. Há três décadas, o músico, de 65 anos, adquiriu seu próprio pedaço de terra por aquelas bandas do Mato Grosso Sul, depois de se encantar pela região durante as gravações da primeira versão de “Pantanal”, em que deu vida ao violeiro Xeréu Trindade, papel que hoje é interpretado por seu filho, Gabriel Sater, de 40. Desde então, pelo menos três meses ao ano — de dezembro a fevereiro, quando a agenda de shows não é tão intensa —, ele se isola com a família em meio à natureza selvagem.
— Eu sou 70% bicho do mato, 30% bicho da cidade. Chego aqui, boto um calção e passo 90 dias com ele — conta Almir, que tem residência fixa na Serra da Cantareira, um recanto verde em meio à agitada São Paulo: — Também gosto das coisas da metrópole: ir a shows, restaurantes… Quando vou ao Rio para gravar, prefiro ficar perto do mar de Copacabana. A verdade é que sou meio caipira, minha alma é do mato. Sempre que posso, me recolho aqui no Pantanal, onde recarrego as baterias, faço as minhas canções…
No verão, explica Almir, o Pantanal é mais quente que a Cidade Maravilhosa: bate 45°C, com sensação térmica de 50°C. Mas essa é também a época mais próspera por lá, com abundância de chuvas e fartura de peixes.
— Essa região onde está sendo gravada a novela é muito conservada. Pouca coisa mudou aqui (desde 1990). A questão da seca é cíclica. O desmatamento atrapalha? Sim, claro! Quando você tira a cobertura vegetal, esquenta o chão, provoca mais evaporação, tem menos água. Além disso, o que acontece na Amazônia tem impacto aqui. Temos que pensar bem as nossas zonas de plantio, de retenção de água. As leis têm que ser feitas por cientistas e não por políticos, para salvar o planeta — opina o cantor, compositor e ator neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente.
Gabriel, que desde a infância aprendeu com o pai a amar e a cuidar da natureza, reforça:
— Já estamos no vermelho. A crise climática está gritando e afeta tudo. Quem só visa o financeiro não enxerga que o desmatamento afeta diretamente o próprio bolso. Com esse desequilíbrio no mundo, as chuvas não chegam às plantações, os alimentos não brotam, os preços sobem, o povo sofre. Economia e preservação ambiental podem e devem andar lado a lado. É tudo uma questão de querer dos nossos líderes. A gente tem que fazer um novo amanhã agora.
No dia anterior a esta entrevista, Almir foi brindado com o desfile de uma onça pintada no seu quintal.
— Foi a maior que eu já vi na vida! Acho que era a Maria Marruá. Linda, linda! — brinca, numa referência à personagem de Juliana Paes no remake da novela originalmente escrita por Benedito Ruy Barbosa e adaptada por seu neto, Bruno Luperi: — Não tenho medo, os bichos nunca me fizeram mal. Os que me assustam mais são os menores. Cobrinhas, escorpiões, aranhas… Tenho fobia com aranha, meus filhos também. Nunca desci da minha cama sem pegar a lanterna e focar o chão. Até coloquei um piso branco para enxergar melhor. Já vi muita cobra escondida no rodapé de madeira. Aqui, qualquer pedaço de pau tem um bicho embaixo.
Dia desses, Gabriel levou um susto, que lhe serviu de alerta:
— Peguei uma lenha para colocar no fogão, sem luva nem nada. Um tempinho depois, sai da brasa uma cobra jararaca venenosa, que estava escondida dentro da fenda da madeira. Imagina só! Como músico, eu trabalho com as minhas mãos, elas são a minha vida. Naquele momento, agradeci a Deus pelo livramento.
De olhos claros (herdados do bisavô), cabelo comprido e barba, Gabriel tem fisionomia que se assemelha à imagem comumente difundida de Jesus Cristo, pelo catolicismo. E, no horário nobre, surge no papel de um violeiro enigmático que diz ter pacto com o diabo.
— Eu chamo Gabriel de Cristinho — conta Almir, dizendo-se um apreciador dos ensinamentos do filho de Deus: — Me identifico com os princípios cristãos. Acredito que, se você desejar para os outros o mesmo que quer pra você, fica tudo bem.
Primeiro intérprete do “amigo do cramulhão”, o músico conta que no universo dos violeiros essa mística mostrada na novela é bastante presente:
— Este mundo tem muitos mistérios, magia negra… Mas acho que o nosso pecado (da ficção) é menor, só brincadeirinha (risos). É quase como se fantasiar de capetinha no carnaval. Na minha cabeça de intérprete, Trindade era muito mais um médium ignorante do que um cara que tinha pacto com o diabo. Na minha família, tem pessoas que veem seres que não existem. Isso, sim, me arrepia.
Gabriel trata o assunto com mais seriedade: sempre que vai abordar o sobrenatural em cena, ele pede licença e proteção antes.
— Estou lidando com energias que não conheço por completo. Acredito em Deus, no diabo e em todos os santos. Respeito muito. Hoje, não tenho uma só religião. Fui criado em colégio católico e sou uma pessoa de muita fé, acordo e vou dormir orando. E me renovo no silêncio. Esse lado espiritual para mim é muito importante — afirma, acrescentando que gostaria de ter o dom premonitório de seu personagem: — Infelizmente, não tenho. Mas, por ter sofrido muitas desilusões na vida, aprendi a ter um olhar um pouco menos inocente. Sempre confiei e fui muito coração aberto nas minhas relações. Acabei aprendendo da pior maneira.
Em casa, Gabriel diz ter uma espécie de “anja da guarda”:
— Minha esposa (a produtora Paula Cunha, de 42 anos, com quem é casado há 16) tem esse lado sensitivo aguçado. Não chega a fazer premonições, mas já me revelou situações que fiquei de confirmar e depois se concretizaram. Minha avó Nair falava que ela é meu amuleto da sorte. Antes de falecer, ela sonhou com um anjo branco gigantesco em cima da nossa casa, próximo à minha esposa. Achei muito lindo isso.
Nas pesquisas de referenciais para construir a sua versão de Trindade, o paulistano conheceu pessoas que lhe confirmaram terem feito pacto com o “coisa ruim”. Nenhum, no entanto, para se tornar um virtuose da viola, como o peão de “Pantanal”.
— O desejo deles é o encantamento de animais. Querem ter o poder na lida com o gado. Fiquei admirado com isso. De tempos em tempos, eles fazem oferendas com itens específicos, em lugares determinados — relata, afirmando que não teria coragem de “vender a alma” assim: — Prefiro pagar o preço de estudar muito, exagerar na dedicação. Acredito tanto no poder da boa energia, do pensamento positivo, quanto no da disciplina. Uma hora eu vou chegar onde quero.
Essa obstinação do filho mais velho (ele ainda tem Ian, de 28 anos, que é guitarrista de sua banda, e Bento, de 26, estudante de Arquitetura, ambos do atual casamento) é um ponto de discordância nas personalidades dos dois, observa Almir.
— Ele leva tudo muito a sério, é focado demais. Deve ter puxado à mãe (a bióloga Selene, de 60 anos, de quem se separou quando Gabriel tinha 2). Eu sou mais intuitivo, adoro trabalhar sob pressão. Sou o oposto do ditado: deixo tudo para amanhã. Se vou gravar uma cena na semana que vem, dou uma lida nela hoje, outra depois… Três dias antes é que vou decorar mesmo. Gabriel dorme com a roupa do personagem desde já. Também sou ansioso, mas eu jogo a minha aflição na música, na composição — detalha o intérprete do chalaneiro Eugênio, que se considera um homem de sorte: — Na minha vida, as coisas foram acontecendo mais facilmente, fluindo. Eu era o pior da minha rua no violão. Meu vizinho era quem afinava o meu instrumento. Hoje, ele trabalha duro, enquanto eu levo a vida na viola (risos).
Enquanto assiste a pai e filho na mesma trama, o público insiste em ressaltar as semelhanças físicas entre os dois e a comparar seu talento musical. Gabriel conta que os julgamentos acontecem desde que ele começou a “arranhar o violão”.
— Essa eterna comparação é até injusta, porque cada um tem uma alma, uma maneira de ser. Nossos tempos são totalmente diferentes. Eu, com só dois anos de carreira (em 2002), queriam me equiparar a ele, que já tinha 30 de bagagem — lembra o primogênito, garantindo lidar bem com a situação: — Meu pai é um ídolo pra mim. Só de ser colocado lado a lado com ele, já é um grande presente. De verdade. Mas os projetos que estão no meu currículo e os prêmios que eu ganhei na vida foram pelos meus próprios méritos. Eu estudo oito horas de música por dia, numa rotina normal. Sou perfeccionista a ponto de, às vezes, beirar a loucura. A maturidade me fez repensar essa postura comigo mesmo, não é saudável.
Não é de se estranhar que a cena do duelo musical entre Trindade e Eugênio, que marcou o encontro das duas gerações na telinha, tenha sido uma das mais aguardadas, comentadas e festejadas, tanto pelos telespectadores quanto por equipe técnica, direção e elenco da novela. Além, é claro, dos próprios envolvidos.
— Tivemos que fazer um trabalho inverso para essa cena: nos preparar para não deixar rolar a emoção no “Valendo!”. Eu sabia que, tocando com meu pai, iríamos ficar ambos sensibilizados. Foram meses treinando a concentração e o dedilhar da viola. Ele disse que não ia me dar moleza, e eu treinei muito, escondido dele. Fazia uns quatro meses que meu pai não me via tocar. Quando a gente foi ensaiar, ele se surpreendeu: “Estudou, hein?”. Eu não podia passar vergonha com um dos maiores violeiros da história, né? É o cramulhão original! — conta Gabriel, satisfeito: — Ficamos a madrugada toda gravando. Todo o elenco junto, jogando em prol da cena, num clima muito gostoso. Que privilégio!
Gabriel, que chegou a fazer uma pequena participação na primeira versão de “Pantanal” quando criança (veja mais abaixo), estreou na TV como Viramundo, em “Meu pedacinho de chão” (2014), na Globo. Depois, atuou no musical “Nuvem de lágrimas” (2015) e nos filmes “Malasartes e o duelo com a Morte” (2017) e “Coração de cowboy” (2018). Mas afirma que nunca quis tanto um papel na vida quanto o que foi do pai na obra originalmente exibida pela extinta TV Manchete.
— Assim que soube pelo “Fantástico” que teria esse remake, em setembro de 2020, todos os dias eu pensava nesse projeto… Como eu queria! Atualizei meu material de cadastro na Globo e, em novembro, chegou o aviso do teste. Eu estava me preparando para tirar férias com a esposa numa casa linda com cachoeira. Cancelamos tudo e foquei as energias no teste. Graças às entidades pantaneiras, consegui passar — celebra.
Almir conta que soube antes do filho que ele herdaria aquele que foi seu primeiro papel na TV (o veterano estreou como ator três anos antes, no filme “As belas da Billings”, de Ozualdo Candeias).
— Tive que ficar quietinho, mas gostei de guardar esse segredo bom — conta o intérprete do chalaneiro que vem sendo apontado, com bom humor, pelos internautas como o fofoqueiro da novela: — Eu percebi que Gabriel estava muito ansioso por esse trabalho. As pessoas estavam aqui na minha casa, debatendo sobre a produção, mas eu não me senti eticamente confortável de pedir por ele. Como pai, é lógico que eu queria que meu filho fizesse o papel. Mas em nenhum momento falei. Acho que tinha mais de 20 violeiros disputando o personagem. Eu elogiava os outros candidatos: “Esse cara toca bem”. E a resposta era: “Toca bem, mas Gabriel é mais bonito”. Sentia que ia pendendo para o lado dele a escolha. Isso me deixou feliz.
Para o capítulo em que surgiu na trama, salvando a vida do Velho do Rio (Osmar Prado), Gabriel recebeu um conselho do pai:
— Falei pra ele: “Segura o sangue no pescoço!” — relata Almir, explicando: — É que naquela minha primeira vez, quando Jayme Monjardim (diretor) disse “Gravando!”, o sangue sumiu todo da cara e desceu para os pés. Fiquei branco de tanto nervoso. A novela já era um tremendo sucesso quando cheguei. E, poxa, eu só era um músico. As pessoas perceberam que eu estava começando, todo mundo me ajudou muito.
Almir diz que descobriu sua porção ator no palco, fazendo shows:
— Às vezes, o som está ruim ou eu estou mal naquele dia… Aí, começo a contar umas histórias, fico mais simpático. Quase que viro um personagem de mim mesmo. Então, não tive grandes dificuldades para começar a atuar. Ainda mais se o personagem também é músico, eu me identifico, justifica eu fazer o papel. Agora, para interpretar um empresário, tem pelo menos uns 70 atores por aí que podem fazer muito melhor que eu.
Em 1990, ele fez tanto sucesso em “Pantanal”, que acabou ganhando o protagonismo de “Ana Raio e Zé Trovão”, produzida no mesmo ano, também pela TV Manchete. E aí a alcunha de galã foi inevitável.
— Eu era um cara mais rústico, com um charme diferente. Nunca me iludi com isso (com o rótulo), até me incomodava um pouco essa fama. Ficava mais vaidoso quando era reconhecido como bom músico — entrega, dizendo que seu autocuidado se limita a “tomar banho e passar um perfume para sair”: — Tenho baixo cuidado. Nunca usei creme nem protetor solar nesse sol escaldante do Pantanal. Minha mulher (a apicultora Ana Paula Marques, de 54 anos) é quem corta o meu cabelo. Estamos juntos há 35 anos. Se eu estou bem pra ela, está bom pra mim também.
Já Gabriel, que também herdou o título de galã, diz que intensificou os cuidados com a aparência para a novela.
— Estou numa restrição alimentar para atingir o meu melhor. Brinco que meus amigos são peixes dourados, fininhos, e eu o bagre. Sou louco por doces, mas só como uma vez por semana, no dia da alegria, que minha médica me libera. Também cortei as bebidas alcoólicas. E me cuido muito: creme na pele para dormir, produtos para o cabelo e barba. Achei um leave in com aroma de coco maravilhoso! — detalha ele, que também adora perfumes: — É o luxo que tenho na vida. Para cada personagem, compro um diferente. Eu ponho a roupa do Trindade e capricho no perfume dele (Invictus, da Paco Rabanne). É uma fragrância que enfeitiça.
Televisão ainda não tem cheiro… Mas quem aí é capaz de discordar?
De coroinha a cramulhão
Assim como o próprio pai, além de Marcos Palmeira, Paulo Gorgulho e Enrique Diaz, Gabriel Sater faz parte do seleto grupo de atores que participaram da versão original e do remake de “Pantanal”.
Há 32 anos, ele era só um garotinho de 9, e surgiu no último capítulo da novela, exibido em 11 de dezembro de 1990, no papel de um coroinha. A cena era a dos casamentos de Zé Leôncio (Cláudio Marzo) e Filó (Jussara Freire), Tadeu (Marcos Palmeira) e Zefa (Giovanna Gold), e Guta (Luciene Adami) e Marcelo (Tarcísio Filho).
— Ali eu já aprendi a arte da espera. Fiquei o dia inteiro em pé, aguardando, até começar a gravar. Como demorava! — relembra Gabriel, que não falou nada em cena: — Foi figuração total!
Na ocasião, Almir já estava em “Ana Raio e Zé Trovão”, e o filho ficou sob os cuidados dos ex-colegas de elenco:
— Luciene (Adami) foi a melhor tia comigo. Eu falava pra ela: “Eu amo tanto você!”. Foi a minha primeira paixão de criança, um amor de pessoa. Os atores todos me cuidavam. Eu era o mascote da turma: levava de um canto de rio a outro as encomendas.
Fonte: ig.com