Indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira pode ser alvo de questionamentos; confira as brechas
RIO— Passadas menos de 24 horas depois de o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou decreto que concedeu ao parlamentar o indulto da graça, que funciona como um perdão da pena. A decisão, no entanto, foi tomada antes de terem se esgotado todas as chances de recurso judicial, o que não é comum e deve levar dúvidas ao STF.
Além disso, na avaliação de especialistas, a medida presidencial não livra Silveira da inelegibilidade e poderá ser contestada na Suprema Corte, já que o decreto pode ser interpretado como desvio de finalidade, ao ferir os princípios da impessoalidade e da moralidade.
Veja a seguir o que diz o decreto e as brechas para contestação:
O que diz o decreto de Bolsonaro?
O indulto individual (graça) concedido pelo presidente Jair Bolsonaro a Daniel Silveira é um instrumento que, em tese, livra o deputado da pena de prisão, mas não da inelegibilidade. Ou seja, Silveira continuaria impedido de se candidatar na eleição deste ano.
Por que o presidente pode perdoar penas?
O indulto (perdão das condenações) está previsto no Artigo 84, inciso XII, da Constituição. Pela norma, compete exclusivamente ao presidente da República “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
O indulto não é anual?
Historicamente os presidentes publicam durante o Natal decretos de indulto coletivos, beneficiando condenados por diversos crimes. Tradicionalmente, esse tipo de publicação é feita no período de festas de fim de ano, o que o tornou conhecido como “indulto natalino”. Entretanto, o presidente pode editar decretos de indulto, individuais ou não, quando assim achar necessário.
Pode haver perdão individual?
O perdão individual (indulto da graça) está previsto na legislação penal. Bolsonaro usou o artigo 734 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual o presidente da República pode conceder esse tipo de perdão: “A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente”.
O indulto pode beneficiar quem não está cumprindo pena?
Os indultos costumam ser assinados para aliviar a pena de pessoas que já estejam cumprindo suas sentenças. O decreto que beneficia Daniel Silveira foi publicado antes mesmo do trânsito em julgado, ou seja, antes de terem se esgotado todas as chances de recurso judicial. Para juristas, isso deve levar dúvidas no Supremo Tribunal Federal. “Bolsonaro está perdoando uma pena que nem é um título executável. Está perdoando uma pena precária, que nem se formou. Ainda existe a possibilidade de embargos, por exemplo”, disse Rodrigo de Oliveira Ribeiro, advogado criminalista e professor.
O que diz a lei?
De acordo com a lei penal, a graça tem por objeto crimes comuns e dirige-se a um indivíduo determinado, não podendo ser aplicado para crimes graves, como tráfico de drogas. Os pedidos de perdão ou graça também podem ser concedidos em processos judiciais após pedidos de condenados ou de réus. Isso pode acontecer, por exemplo, no caso de presos em estágio terminal.
O decreto pode ser contestado no STF?
Especialistas afirmam que o decreto pode ser interpretado como desvio de finalidade, ao ferir os princípios da impessoalidade e da moralidade, tornando-o inconstitucional. Esse assunto, afirma o jurista Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da Uerj, deve ser enfrentado pelo STF: “O que chama a atenção na situação concreta é tratar-se de um agente político aliado do presidente. Podemos imaginar que o STF pode controlar (analisar) o decreto, no sentido de considerar que há desvio de finalidade. Pode haver um controle de legalidade do ponto de vista dos princípios constitucionais da administração pública, como impessoalidade e moralidade”.
O decreto livra Daniel Silveira da inelegibilidade?
Para especialistas, não. O entendimento é que o indulto trata apenas da questão penal, não sendo estendida para outras áreas, como a lei eleitoral. Isso ocorreria também por força da Súmula 631 do Superior Tribunal de Justiça, que diz: “O indulto extingue os efeitos primários da condenação — pretensão executória —, mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”. Filipe Coutinho da Silveira, advogado criminalista sócio do Silveira Athias Advogados, avalia que o decreto do indulto não afasta os demais efeitos da condenação de Silveira. Por exemplo, em caso de cometimento de novo crime, fica configurada a reincidência.
O que o STF já decidiu sobre indultos?
O STF já decidiu que é prerrogativa do presidente da República conceder indultos sem que sofra interferências do Judiciário. Essa decisão foi tomada em 2019, quando a Corte discutiu um indulto coletivo assinado pelo então presidente Michel Temer. No julgamento, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que se manifestou a favor da vontade do presidente para estabelecer quem deve ser beneficiado pelo indulto natalino. Moraes, agora, foi relator do processo contra Silveira. No entendimento de Moraes, se o decreto foi editado nos parâmetros legais, a Justiça não pode mudar as regras.