‘Impeachment não é solução para crise’, diz Michel Temer
O ex-presidente Michel Temer (MDB) é enfático ao afirmar que o impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) não traria a solução para a crise institucional entre o presidente com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista na segunda-feira (13/9) ao CB.Poder – uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília -, ele destacou que seria um processo doloroso e contraproducente, com a possibilidade de se encerrar perto das eleições do próximo ano. Isso deixaria o ambiente ainda mais convulsionado, sem contar que promoveria a paralisia completa do país.
“Todos devem aproveitar esse momento, de certa pacificação, para combater em definitivo a pandemia e recuperar a economia”, recomendou, com a experiência de quem quase viu avançar um processo de impeachment contra ele.
Autor do texto da Declaração à Nação, que serviu para apaziguar os ânimos depois dos inflamados discursos de Bolsonaro insuflando a militância contra os ministros do STF, no 7 de Setembro, Temer acredita na moderação do presidente de agora em diante. Para o ex-presidente, o momento de equilíbrio deve ser aproveitado para levar adiante as reformas administrativa e tributária – que, como fez questão de lembrar, começou no governo dele.
“Com esse documento, os acampamentos de caminhoneiros se desmobilizaram em Brasília. O fato é que, convenhamos, se não houvesse a ‘Declaração à Nação’ dia 9, não sei o que aconteceria no dia seguinte”, salientou, certo de que se evitou algum evento de alta gravidade e que poderia ter o condão de convulsionar mais o país.
Temer afastou, ainda, qualquer hipótese de se ter fechado algum acordo entre Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes, versão que tem circulado nos grupos bolsonaristas. De acordo com o ex-presidente, ele jamais proporia isso ao magistrado por saber que a ideia seria imediatamente rechaçada.
Sobre uma possível candidatura do MDB, partido ao qual ainda é ligado, ao Palácio do Planalto, Temer não acredita nessa possibilidade – embora elogie a competência, a capacidade de trabalho e de articulação da pré-candidata da legenda, a senadora Simone Tebet (MS).
“Tem uma bela pré-candidata, mas não sei se o partido vai com essa posição até o final. O que acontecer pela frente vai determinar a conduta do MDB e dos demais partidos”, observou.
A seguir os principais pontos da entrevista.
A leitura que se fez, logo depois da publicação da nota oficial, foi de que a participação do senhor deu uma esfriada nas manifestações que estavam previstas para o último domingo. Acha que o país afastou o perigo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro?
Ainda há clima para isso?
Não foi o documento que afastou o pessoal da rua, foram as divergências dos vários grupos. Pelo que eu vi pelos jornais, certos partidos não quiseram participar do movimento por não terem o protagonismo – e os organizadores não quiseram que certos partidos participassem. Então, eu penso que não foi o documento que afastou as pessoas das manifestações. A questão do impedimento, vejo do seguinte modo: você abre um processo de impeachment agora; vai durar de sete a nove meses. Vai bater com as eleições e colocar o país numa agitação brutal. Você tem eleição logo aqui adiante, no ano que vem, e as coisas devem se resolver por eleição. Se o presidente for candidato à reeleição, quem quiser votar no presidente vota; quem não quiser, escolhe outro candidato.
Na a avaliação do senhor, não temos tempo para isso e o país precisa trabalhar em outras pautas?
Temos pandemia para combater e economia para recuperar. Acho que os poderes têm que se reunir, o Legislativo e o Executivo fundamentalmente. Mas, de alguma maneira, com apoio do Judiciário e de todos os partidos também. Todos devem aproveitar este momento, de certa pacificação, para combater em definitivo a pandemia e recuperar a economia. Digo para você: não sei se é o caso de fazer campanha eleitoral agora. Tem um ano e dois meses para eleição, muito tempo ainda. Vamos cuidar da pandemia, da economia e deixar o debate eleitoral para o ano que vem.
Na semana passada, o senhor foi fundamental no processo de pacificação do país. Queria que fizesse uma retrospectiva desse encontro.
Na quinta-feira, antes do 7 de Setembro, recebi vários telefonemas de pessoas me pedindo uma ajuda para intermediar esse diálogo. Coincidentemente, o presidente Bolsonaro acabou me ligando no dia 8, pelas 20h, e me convidou para ir no dia seguinte a Brasília. Antes de ir, disse que haveria alguns pontos determinados que achava que deveriam ser assinalados e listei para ele. O presidente disse que estava de acordo, que era para eu levar esses pontos para Brasília que iríamos redigir.
É um documento que diz o óbvio, que é cumprir o texto constitucional. Ou seja, preservar harmonia entre os Poderes, pregar pacificação do país e cumprir rigorosamente a Constituição e decisões judiciais. Basicamente, o documento retrata esses episódios que estou avidamente mencionando. Na verdade, com esse documento, os acampamentos de caminhoneiros se desmobilizaram em Brasília. O fato é que, convenhamos, se não houvesse a “Declaração à Nação” dia 9, não sei o que aconteceria no dia seguinte.
O senhor acha que essa promessa de moderação de Bolsonaro é verdadeira? Sabemos que o presidente pode recuar e avançar com facilidade.
A sensação que tenho é de que o presidente vai levar a sério aquilo que assinou – pelo menos torço por isso. Até me surpreendi positivamente com a sinalização extremamente favorável, a significar que o povo brasileiro deseja mesmo essa tranquilidade. Me surpreendi também quando saí do Palácio (do Planalto): logo depois, a Bolsa subiu e o dólar caiu.
Na conversa do senhor com o ministro Alexandre de Moraes, houve um acordo costurado para que o magistrado também não faça mais prisões? Acredita que também vai haver uma mudança de comportamento do Supremo Tribunal Federal?
De fato falei com o ministro Alexandre, mas não houve acordo nenhum. Primeiro, que eu não teria o atrevimento de pedir isso a ele, que é ministro do STF. Segundo, que ele jamais aceitaria essa forma de acordo. O que existe, sim, é uma distensão, a distensão é que poderá produzir bons resultados. Até porque retoma-se um diálogo mais aprofundado entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O MDB vai ter candidato à eleição presidencial de 2022? O senhor acha que é preciso que o partido se lance em uma candidatura solo ou seria melhor reunir vários partidos em uma terceira via para enfrentar a polarização?
Essa coisa de terceira via é fundamental ao eleitorado. Mas, com toda franqueza, estou achando complicada essa história. Não acho que os principais cotados da terceira via abram mão da candidatura em dado momento, priorizando só um candidato, o que seria o ideal. Eu sinto que todos os que estão se apresentando vão até o fim, ou boa parte deles. Veja você que se houver muitos candidatos, ganha com isso aqueles que polarizaram, que tem um número maior e mais sólido de apoio.
Já tem gente dizendo que o senhor pode ser o (presidente dos Estados Unidos, Joe) Biden brasileiro. Como vê essa avaliação? Está preparado para disputar a Presidência da República no ano que vem?
Acho que só poderia ser como o Biden em função da idade. Fora daí, confesso que não está no meu horizonte. O que puder colaborar com o país – o que penso que, modestamente, fiz há poucos dias -, na medida que for convocado, dar palpites, farei com muito prazer. Mas, em relação ao futuro, confesso hoje que não penso em me candidatar. Até brinco que estou com mais prestígio hoje do que tinha quando era presidente, mas eu acho que isso é fruto do reconhecimento do meu governo.
Passou muito rapidamente; achava que demoraria mais tempo – e você sabe como aquelas pessoas tentaram me prejudicar e acabaram atrapalhando o país. Então, em relação às manifestações de “Biden brasileiro”, tomo isso como reconhecimento ao meu governo.
O senhor acha que o MDB vai lançar mesmo a (senadora) Simone Tebet? Vai defender que o partido tenha candidato ou aposta nessa tentativa de união dos partidos?
Conheço o MDB há muito tempo. Sempre foi assim: querem lançar candidato e, muitas vezes, acabam não lançando. Hoje, tem uma bela pré-candidata, a Simone Tebet, mas não sei se o partido vai com essa posição até o final. Não há condições de fazer uma análise como essa a mais de um ano das eleições. O que acontecer pela frente vai determinar a conduta do MDB e dos demais partidos.
Há clima, hoje, para retomar as votações da reforma tributária e administrativa? Ou essas pautas vão ter que ficar para depois da eleição de 2022?
Acho que antes do dia 9 deste mês não havia clima algum. A partir do dia 9, particularmente depois da declaração (de Bolsonaro à Nação), acho que há algum clima que poderá permitir o prosseguimento das reformas, que começaram em meu governo. É preciso continuar com aquilo que chamo de simplificação tributária, com a reforma administrativa. Au acho que há clima, sim. Não se deve esperar as eleições para fazer isto, vamos fazer já! Temos tempo agora, neste ano e praticamente metade do próximo para caminharmos com essas reformas.
No próximo dia 15, o senhor tem um encontro com (os ex-presidentes) Fernando Henrique Cardoso e José Sarney. Como vai ser esse encontro?
É uma preparação para um projeto futuro ou serão ideias para o atual governo?
Vamos dizer obviedades que, na verdade, precisam ser repetidas, porque, muitas vezes, as pessoas se esquecem disso. Vamos falar sobre democracia, o Estado de Direito, como se deve preservá-lo. O debate será nessa linha, o que pensamos em matéria econômica e política no país. Penso que será tudo pautado no texto constitucional. Diremos obviedades porque acho que, nos últimos tempos, as pessoas se esqueceram das coisas mais triviais.