MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRES) — O presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou seu dia de programação oficial em Moscou como todo chefe de Estado que visita a Rússia: na cerimônia de aposição de uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido.

Não deixa de ser uma pequena ironia para um político que, no seu discurso de posse em 2019, havia prometido trabalhar para “livrar o Brasil do socialismo”.

O túmulo é um dos pontos altos simbólicos da celebração da vitória da União Soviética, império comunista que durou de 1922 a 1991 e está no centro dos fetiches do bolsonarismo, na Segunda Guerra Mundial (1939-45, mas que começou para os soviéticos em 1941 e que é chamada no país de Grande Guerra Patriótica).

Sob a construção de 1967 repousam restos mortais dos defensores de Moscou, que seguraram os invasores nazistas a pouco quilômetros da capital. O monumento também traz em seu conjunto 12 pedestais com os nomes das chamadas cidades-herói, título soviético dado àquelas que resistiram a cercos brutais.

Em 2017, na mais recente visita de um presidente brasileiro a Moscou, Michel Temer (MDB) ouviu um “Fora Temer” gritado ao longe enquanto participava da cerimônia.

Putin, que receberá Bolsonaro nesta quarta (16) em meio à grave crise com a Ucrânia e o Ocidente, não é um saudosista do comunismo, mas estabeleceu uma cartilha de louvação aos aspectos heroicos do regime – centrado na experiência da guerra.

A Rússia, maior dos 15 países que compunham a União Soviética, é seu Estado sucessor. Em 2004, Putin inclusive mudou o nome de uma das 12 cidades homenageadas, Volgogrado, à sua denominação nos tempos da guerra.

Foi Stalingrado, ou cidade de Josef Stálin (1878-1953), que homenageava o ditador comunista e foi palco de uma das viradas de maré do conflito, quando os soviéticos derrotaram o Sexto Exército nazista que a havia conquistado.

Sob Putin, é crime tentar contar histórias alternativas à oficial sobre o conflito. Há uma razão emocional também: cerca de 70% das famílias russas perderam algum familiar na guerra, que levou 27 milhões de almas soviéticas (9 milhões fardadas), quase 40% do total de vítimas.

Mesmo que quisesse, Bolsonaro teria dificuldades de se livrar das lembranças comunistas em Moscou. A cidade é coalhada de reminiscências do período, embora elas tenham diminuído nos 30 anos de vida capitalista.

Seja como for, o mausoléu de Vladimir Lênin (1870-1924), o fundador do regime, segue lá em frente ao Kremlin onde Putin receberá o brasileiro. As estrelas vermelhas nas torres da fortaleza medieval, remetendo ao símbolo comunista, também.

Placas homenageando figuras do regime e da sociedade estão espalhadas pela cidade, que ainda tem um solitário busto de Karl Marx (1818-83) em frente ao famoso Teatro Bolshoi. Mesmo Lênin, que viu boa parte de suas estátuas cair após 1991, ainda é visto aqui e ali, inclusive com um grande monumento na praça Kaluga.

O anticomunismo de Bolsonaro não difere, em formação, daquele de sua geração de oficiais, moldada na ditadura de 1964. Mas mesmo entre aqueles que permaneceram nas Forças Armadas, enquanto Bolsonaro deixou o Exército como capitão em 1988, não há quem acredite em socialismo ou comunismo nos dias de hoje.

O que há é um entendimento de que a esquerda subsiste de forma ideológica, adotando a defesa de temas alternativos ao socialismo nos campos comportamentais e ambiental, por exemplo. Bolsonaro também ataca nesta frente, mas insiste em que sua claque mantenha viva a ideia de que um espectro ronda o Brasil, para parafrasear o Manifesto Comunista de Marx (1848).

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