‘Diziam: abre a porta, está pegando fogo; mas não abriu’, diz assistente de banda na Kiss
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) — Luciano Bonilha Leão, que carregava água e instrumentos para a banda Gurizada Fandangueira, como foram os momentos que seguiram ao incêndio na boate Kiss e como ele saiu do local, no júri pelas 242 mortes da tragédia, nesta quinta-feira (9).
“Eu ouvia que diziam ‘abre a porta, abre a porta, está pegando fogo’ e não abriu a porta. Não abriu. Eu lembro que quando eles diziam para abrir, eu enxergava aquele barulho, era muita quebra”, contou ele, dizendo que preferia não especular porque a porta foi mantida fechada.
“As pessoas foram pedindo, quando abriu a porta, tipo a força de um vento, naquele momento, baixou a fumaça. Eu vou indo, vou indo e me prendo nos ferros. Quando a fumaça baixou, eu fui me agarrando, em um, em outro e me prendo num ferro, em frente ao bar. Eu notei, naquele momento, que iria me quebrar, sabe?”.
Ele contou que colocou a camisa no rosto e pediu a Deus que o tirasse de lá.
Bonilha é um dos quatro réus acusados por homicídio e tentativa de homicídio simples com dolo eventual, junto com outro integrante da banda, Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista), Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann (sócios-proprietários).
Ele foi o segundo réu a falar diante do júri. O primeiro foi Spohr, apontado em depoimentos como o responsável por tomar decisões na boate, na quarta-feira.
O júri pelas mortes na Kiss é o mais longo do Judiciário gaúcho. O processo foi desaforado de Santa Maria a Porto Alegre a pedido de defesas que questionaram se a cidade onde ocorreu a tragédia teria júri imparcial, já que boa parte da população foi afetada.
Luciano lembrou no júri que foi o único dos réus que não pediu o desaforamento e que queria ser julgado na cidade onde ainda vive e trabalha.
Em seu depoimento, ele confirmou que comprou o artefato pirotécnico usado pela banda e apontado como provável início do incêndio, ao entrar em contato com a espuma que ficava no teto do palco.
Luciano disse também que foi ele quem acionou o artefato, que era colocado em uma munhequeira na mão do vocalista, Marcelo, também réu no processo.
Ele relatou que apertou o disparador, o artefato funcionou e a banda seguiu tocando por cerca de três minutos, até ouvir alguém dizendo que estava pegando fogo. As chamas, no início, segundo Luciano, eram azuis. Ele pegou água e tentou jogar em cima para apagar.
“Vi um rapaz tirar um extintor debaixo do bar e alcançar para o Marcelo. Não funcionou o extintor”, contou.
Depois de sair do local, ele ajudou a retirar outras pessoas. A defesa dele mostrou fotos onde ele aparece do lado de fora da boate e ele a camiseta que estaria vestindo de um saco de plástico.
O ex-assistente de palco disse ainda que fez shows com artefatos pirotécnicos na Kiss antes da tragédia.
Luciano desmentiu, porém, informações veiculadas em reportagens e o depoimento do dono da loja que vendia o produto. Ele contou que comprou o artefato individualmente, sem caixa com as indicações para uso.
“Eu desconheço essa caixa, só apareceu caixa depois que aconteceu o sinistro”, disse ele ao juiz.
Luciano também negou que o vendedor tenha lhe informado de que o artefato seria para uso externo e lembrou que, gravado sem saber, em uma reportagem, o vendedor falou que ele teria dito ter curso para manusear o produto. “A história dele é o que me bota hoje aqui”, afirmou.
Ele se emocionou ao falar da sua vida e tratamento psicológico que precisou depois da tragédia e falou sobre o sentimento dos familiares das vítimas.
“Sei que o coração dos pais não está entendo a minha dor, mas eu não tenho como entender a dor deles”, disse ele.
“Estão legítimos em lutar por justiça pelos filhos deles. Hoje eu tenho a consciência muito tranquila que não foi meu ato que tirou a vida desses jovens. Mesmo eu sabendo que eu sou inocente, sou uma vítima, se para tirar a dor dos pais, estou pronto, me condene. Mas que não seja simplesmente uma injustiça o que está acontecendo comigo”.
Além de Luciano, outros dois réus devem ser ouvidos nesse nono dia de júri, Mauro Hoffmann e Marcelo de Jesus dos Santos, pela ordem.
Depois dos interrogatórios, inicia a fase de debates entre acusação e defesa, com tempo estimado de nove horas de duração.