Mundo atinge a marca de 1 bilhão de vacinas contra a covid aplicadas
A campanha de vacinação contra a covid-19, a maior da história, ultrapassou a marca de 1 bilhão de doses aplicadas neste sábado. O número é uma boa notícia. Mas o acesso desigual à vacina, cepas mais contagiosas e novas ondas de casos de infecções em países ricos e pobres indicam que o caminho para se derrotar o vírus ainda é longo.
Especialistas afirmam que, com relação à pandemia, de pouco adianta a vacinação acelerada em países mais ricos se ela não avançar em nações pobres. Esse cenário perpetuará a transmissão do vírus, aumentando as chances de surgimento de novas cepas, o que ameaça as próprias campanhas de vacinação dos mais ricos.
Até este sábado foram aplicadas mais de 1 bilhão de doses em 172 países, segundo dados do Vaccine Tracker, da Bloomberg. O total administrado até agora é suficiente para vacinar plenamente 6,5% da população mundial.
Mas a distribuição tem sido muito desigual. Países mais ricos vacinam a uma velocidade 25 vezes maior que os mais pobres. Em média são aplicadas 18,5 milhões de doses por dia em todo o mundo. Nos EUA, são cerca de 2,8 milhões por dia; no Brasil, mais de 995 mil, e na África do Sul, 2,1 mil.
Até agora, os 27 países mais ricos concentram 37,4% das doses aplicadas, apesar de responderem por 10,5% da população mundial. Em contraposição, os 63 países mais pobres do mundo respondem por 17,2% das vacinas aplicadas, apesar de serem lar de mais de 42,6% da população mundial.
A assimetria também existe entre os países da própria União Europeia, que optou por uma estratégia coordenada de vacinação. Alemanha, Bélgica e França aplicam mais doses diárias do que Bulgária e Letônia, por exemplo. Na África, a vacinação de quase todos os países está praticamente na estaca zero.
À exceção de Israel, EUA, Reino Unido e Chile, o cronograma de vacinação da maioria dos países está atrasado. A suspensão do uso do imunizante da Astrazeneca/ Universidade de Oxford, por ligação com casos de coágulos sanguíneos, pode atrasar ainda mais a campanha em alguns lugares. No Brasil, o Ministério da Saúde admitiu que a vacinação do grupo prioritário atrasará ao menos quatro meses e não será concluída antes de setembro.
“Que tenhamos 1 bilhão de doses aplicadas é ótimo, mas como essas vacinas estão sendo distribuídas? Não conseguimos derrubar patentes, e a desigualdade se mantém até na hora da vacinação”, diz Alexandre Kalache, epidemiologista e ex-diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Kalache alerta que a vacinação é uma questão de saúde pública e ampliá-la deveria interessar, inclusive, aos países ricos. “As nações desenvolvidas acham que, ao vacinar toda sua população estarão protegidos, mas na verdade estão dando um tiro no pé”, diz.
Isso porque quanto mais o vírus é transmitido, maiores as chances de novas variantes aparecerem. Se alguma delas for resistente às vacinas existentes, os esforços até aqui serão praticamente perdidos.
“Nenhum de nós estará seguro até que todos nós estejamos seguros”, diz Mark McKee, da London School of Hygiene and Tropical Medicine. “Vacinar 1bilhão de pessoas é uma ótima notícia, já que a vacina só está disponível há alguns meses. Mas é apenas o começo. Precisamos de um grande esforço global, com todos os países, ricos e pobres, fazendo sua parte.”
Hoje a grande questão, é ter acesso às vacinas. Índia e África do Sul lançaram proposta na Organização Mundial do Comércio (OMC) para suspender regras de propriedade intelectual relacionadas a patentes envolvendo produtos anticovid durante a pandemia. Os países ricos, no entanto, mantiveram sua posição contra a proposta.
Para haver distribuição de vacinas mais igualitária e rápida, seria necessário estabelecer uma política mundial que preze por ampliar a produção, para além de países que hoje têm capacidade de fabricação, liberação patentes, e encontrar meios de fazer a vacina chegar a países mais pobres que não conseguem comprá-la, afirma Joel Navarrete, residente da Associação de Epidemiologia do México.
“A covid-19 não vai acabar tão cedo. É uma doença que chegou para ficar e pode ter um comportamento muito similar à gripe”, diz Navarrete. “Pode ser que todos os anos tenhamos surtos de transmissão, com diferentes variantes do vírus. Isso pode demandar campanha de vacinação anual, como é com a gripe.”
A marca de 1 bilhão de doses ocorre no pior momento da pandemia em países como Índia, Argentina e Brasil, e quando até mesmo em nações ricas, como Canadá, lutam para conter a terceira onda de novos casos.
“Há uma curva de crescimento abrupta de infecções e cepas que não tínhamos antes”, diz Jorge Geffner, professor de imunologia da Universidade de Buenos Aires. “O que vemos hoje é uma competição entre vacinas e variantes. Até agora todas responderam bem à cepa britânica, mas a de Manaus e a da África do Sul preocupam. A sul-africana, por exemplo, tem potencial de comprometer a eficácia das vacinas de modo significativo.”
“Precisamos entender que as vacinas por si só não são a solução. Vimos isso no Chile, que está passando por um surto, apesar do bom progresso com a vacinação”, diz McKee. “É preciso manter o uso da máscara e distanciamento social, que sabemos que funcionam contra o vírus.”
A vacina vai ajudar a evitar um quadro mais grave, mas não garante que a pessoa não se reinfecte ou não transmita o vírus.
Estima-se que uma população adquire imunidade de rebanho quando entre 70% e 75% estão imunes. Até agora, o único país que se aproxima da imunidade de rebanho é Israel, onde quase 58% da população foi vacinada. No ritmo atual, os EUA precisariam de três meses para atingir 75%, o Brasil, nove meses, e a África do Sul, mais de dez anos, segundo o Vaccine Tracker.
Geffner prevê que dentro de um mês e meio o mundo chegue a 2 bilhões de vacinas aplicadas. “Mas com 7 bilhões de pessoas no mundo, ainda assim estaremos muito longe de ter imunidade de rebanho”, conclui.
O coronavírus segue causando vítimas pelo mundo. A covid-19 já matou mais de três milhões de pessoas globalmente, com quase 146 milhões de casos desde o início da pandemia, segundo dados compilados pela Universidade Johns Hopkins.