Flexibilização da quarentena contra coronavírus põe Curitiba na rota do colapso, diz estudo
Com uma taxa de ocupação de leitos UTIs que beira 90% e sem isolamento social, vidas “estão em risco” em Curitiba, aponta um estudo obtido por exclusividade pela BBC News Brasil.
A partir de dados recentes obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, pesquisadores da iniciativa Ação Covid-19, dedicados a estudar a evolução da doença no Brasil, realizaram simulações para diferentes cenários de isolamento social na capital do Paraná. O objetivo era identificar o grau de vulnerabilidade de áreas e grupos.
Segundo eles, nas atuais circunstâncias, com shopping centers e academias de ginásticas de portas abertas, existe o risco real de que o sistema de saúde da cidade entre em colapso.
O último boletim da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, divulgado na quarta-feira (05/08), informa que a taxa de ocupação das 345 UTIs do SUS exclusivas para covid-19 era de 88% (43 estavam livres). No entanto, esse número tem variado e permaneceu acima de 90% por vários dias seguidos nas últimas semanas.
“A proporção de mortos nos cenários sem isolamento social apontam os riscos de que o sistema de saúde não seja capaz de comportar todos aqueles que necessitem de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs)”, diz o estudo.
Os pesquisadores destacam que a decisão do poder público de flexibilizar a circulação de pessoas para a retomada da economia, com a reabertura de shopping centers e academias de ginástica, por exemplo, acelerou a propagação do coronavírus, apesar de um “início de pandemia controlado.”
“O não recuo do governo local e a não reclassificação da cidade no sistema de bandeiras torna a situação de Curitiba alarmante. Vidas estão em risco quando uma cidade decide por manter suas atividades com mais de 90% da ocupação de leitos disponíveis”, acrescentam.
Por esse sistema de bandeiras, criado pela Prefeitura de Curitiba e baseado em nove indicadores, cada cor – amarela (nível 1), laranja (nível 2) e vermelha (nível 3) – representa a situação da cidade, dependendo do nível de propagação da doença e da capacidade de atendimento da rede hospitalar.
O estágio “amarelo” representa um alerta de responsabilidade constante, com medidas de precaução a todo tempo. O “laranja”, por sua vez, indica um risco médio, com restrições de funcionamento de áreas com possibilidades de aglomerações. Já o alto risco é representado pela cor vermelha, onde apenas serviços essenciais funcionam.
Esse modelo orienta, portanto, a resposta do poder público à pandemia.
Apesar disso, destaca o estudo, “apenas seis dias após a elaboração do plano, porém, Curitiba deixou a fase amarela para a laranja”.
“Com o decorrer das semanas, a flexibilização aumentou (Figura 1). Em 21 de julho, cerca de um mês e meio após a cidade ser colocada na bandeira laranja, o Decreto nº 940, da prefeitura de Curitiba, redefinindo proibições da fase de bandeira laranja, liberou o funcionamento de atividades não essenciais. Neste sentido, foi permitido a restaurantes operar até às 22h durante a semana; shoppings, até às 20h”, dizem os pesquisadores.
“Diferentemente do proposto inicialmente, shoppings e galerias comerciais obtiveram permissão para funcionamento com restrição de horário, com a justificativa de que esses ambientes não geram aglomerações.”
“Salões de beleza, barbearias, academias de ginástica e outros serviços não essenciais nem sequer têm restrições de períodos de funcionamento”, acrescentam.
Como resultado, aponta o estudo, “em uma semana após o decreto (21/07 a 28/07), houve 3.785 novos infectados e 122 novos óbitos por covid-19. A taxa de ocupação de leitos nos hospitais públicos ultrapassou 90%. Mesmo assim, Curitiba não foi reclassificada na categoria vermelha”.
Segundo Maria Carolina Maziviero, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e uma das responsáveis pelo estudo, é um “contrassenso” que a cidade tenha decidido reabrir serviços não essenciais, como shopping centers e academias de ginástica, enquanto “parques e praças sigam fechados”.
Sem transparência
Os pesquisadores também criticam a falta de transparência na divulgação dos dados pela Prefeitura de Curitiba.
“Ademais, as adversidades encontradas para analisar os diferentes cenários – devido à ausência de dados do governo – salientam a necessidade de transparência nas estatísticas oficiais, para que a comunidade científica e a sociedade civil possam colaborar no combate à pandemia”, dizem os pesquisadores.
Na opinião de Maziviero, “há poucas informações sobre a real situação da cidade. A pandemia de coronavírus nos mostrou que áreas são afetadas de forma diferente, e isso depende de uma série de variantes, entre as quais o nível socioeconômico de uma determinada população”.
“Sem esses dados detalhados por bairro, gênero, faixa etária e raça, para citar algumas dessas variantes, a formulação de políticas públicas fica prejudicada”.
“Pudemos constatar que há bairros com uma condição de vulnerabilidade maior. Estes deveriam ser atendidos por políticas públicas emergenciais. Mas estão sendo assistidos não pelo poder público, mas por redes de solidariedade locais, formada por membros da sociedade civil”, acrescenta ela.
Dados do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, compilados a partir de estatísticas do Ministério da Saúde e baseados na média dos sete dias imediatamente anteriores, indicam que o número de casos confirmados de covid-19 em Curitiba está em trajetória ascendente.
Foram mais de 22 mil infectados e quase 650 mortes por coronavírus na cidade desde o início da pandemia, segundo a Secretaria Municipal da Saúde.
Outro lado
Procurada pela BBC News Brasil para comentar os resultados do estudo, a Prefeitura de Curitiba informou, por meio de um comunicado, que “desde o início da pandemia em Curitiba, em 11 de março, quando foram registrados os primeiros casos, a cidade vem monitorando as informações diariamente. Esses dados, inclusive, são informados à população pela live diária”.
“É esse monitoramento também que define as medidas a serem tomadas para conciliar a proteção dos moradores da cidade contra a infecção pelo novo coronavírus com a necessidade de manter a cidade em funcionamento”.